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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

II - Desbravamento.


Fechou os olhos demoradamente para poupá-los da impiedosa explosão de cores e luzes que parecia vir de todo lugar, frustrando qualquer intento por parte da lua e das estrelas de mostrar seu brilho aos ingratos incapazes de desacelerar sua constante corrida pela vida para apreciar espetáculos naturais que invento tecnológico algum seria capaz de sequer igualar.

Deveria estar acostumada a toda agitação e movimento, mas cada canto por onde passara era morbidamente único e nunca se permitiu dar a nenhum deles mais atenção que o necessário. Estava envolvida em algo que ia muito além de qualquer beleza solidificada. Algo pelo qual sua alma, em chamas, clamava. Su hogar. Um lugar, um alguém. Talvez ambos. Algo que a faria sentir-se finalmente em casa.

Nunca tivera a sensação de pertencimento. Sentia-se estrangeira em seu próprio corpo e sempre parecia pegar carona em vidas que não eram suas, em sentimentos alheios. E quando pensava finalmente achar seu ponto de equilíbrio, seus alicerces eram friamente derrubados e atirados ao chão como castelo de areia levado pelo mar.

Corria o mundo em passos errantes que pareciam levá-la a lugar nenhum, entre uma tragada no cigarro e uma parada em um pé sujo qualquer à beira da estrada.  Tivera amores e amigos, mas ninguém que ficasse em sua vida mais que um instante fugaz.

Às vezes sentia como estivesse tentando colher nuvem com as mãos, como se estivesse numa constante busca por algo que nunca conseguia alcançar. Então a frustração lhe tomava e lhe obrigava a retroceder todos os passos progredidos. E logo depois de descer tão fundo quando possível na escuridão de sua alma ferida, ela se obrigava a recomeçar todo o processo, colhendo pacientemente todos os pedaços de sonhos, esperando encontrar ali a real motivação de sua existência.


- Débs

Contato: @xxisaacs_

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Cartão Postal.


Ele jamais poderia esquecer-se de seus olhos, seus cabelos, seu sorriso. Da forma como ela falava parecendo sussurrar como um vento cálido em uma noite de verão e de como seus dedos finos acariciavam seu cabelo fazendo-o rapidamente pegar no sono.

Ela estava seguramente gravada em cada célula sua e em cada canto daquela casa com chão de madeira polida e telha vermelha, emoldurada pelo pequeno jardim que transpirava a sua essência por sua grama meticulosamente aparada e um canteiro que parecia conter uma, e apenas uma, de cada flor existente.

Era engraçado como ela parecia querer e fazer tudo na medida exata obsessivamente e não descansava enquanto assim não o fosse. E ele a amava com todas as suas pequenas manias, porque isso a tornava especial e única.

Ele ainda podia ver seus vinis do Led Zeppelin arrumados em ordem crescente de ano de lançamento e seus livros devidamente separados por autor e gênero na estante, além de sua coleção de incontáveis cartões postais de cada canto do mundo - que ele não fazia ideia de como ela havia conseguido - pregados no mural que ela o fizera construir. Ela parecia ter um carinho especial por eles, mesmo que para ele não passassem de papel usado. E quando lhe dizia isso, ela brigava e dizia que eles continham fragmentos de saudade. Que serviam para acalmar corações que sofriam pela distância e que de uma certa forma, lhe traziam algo de paz.

E ele só desejava que ela tivesse ao menos deixado isso para trás para que suavizasse o imenso buraco que ficara nele e que matasse um pouco que fosse dessa saudade que manchava seu rosto com lágrimas e comprimia seu peito de uma forma que respirar se tornava impossível.

Restava-lhe apenas arrastar-se pela vida, escapando do desespero, e esperar por um adeus tardio. Um olhar atrás. Ou mesmo um cartão postal. E que ele pudesse então, começar sua própria coleção de saudade.




- Débs