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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

III - Desventura


Um par de fones e o resto do mundo não existia. Essa era sua parte preferida do dia – e de sua vida inteira. Claro que não era grande coisa, mas não era como se tivesse grandes expectativas da vida. Nem mesmo sabia o que dela queria. Mas ela achava que poderia dar-se um momento de prazer enquanto se preparava para enfrentar a tediosa rotina que lhe fazia querer esconder-se em algum canto escuro de si e só voltar quando ela não precisasse mais encenar uma alegria que estava longe de sentir.

Se não fosse tão negativa a respeito de tudo, poderia orgulhar-se por sua força de vontade. Não era qualquer um que se armava de uma disposição que parecia vir de lugar nenhum quando tudo o que realmente queria era perder-se em sonhos e esperar que o mundo fora de seus muros protetores se desvanecesse.

Seus movimentos eram sempre lentos, arrastados, como se tivesse esperança de que pudesse adiar um destino inevitável tanto quanto possível sem que também pusesse à prova a paciência alheia para sua dispersão e desânimo.

Não era muito apegada a pessoas, mas esforçava-se por manter as poucas que possuía em sua vida. Por isso tragava toda a impaciência, empurrava o desgosto coração adentro e vestia com uma facilidade invejável sua costumeira máscara de indiferença para se tornar agradável aos olhos dos que a rodeavam.

Odiava o menor sinal de fingimento e era irônico que fizesse tanto uso de tal recurso para evitar curiosidade inoportuna e julgamentos desnecessários. Não queria a atenção de pessoas que sequer se davam o trabalho de parecer minimamente interessadas em si no restante do tempo. Mas ela mesma que não era lá muito empática, não poderia exigir qualquer coisa do tipo.

- Incrível como você nunca está triste – uma pequena sempre lhe dizia.

- Na verdade, eu nunca aparento estar. É diferente.

E quando ela finalmente se libertava de seu cárcere auto imposto – não por vontade própria e sim para atender a um simples capricho de uma sociedade que insistia em manipular sua vida justificando-se com as incertezas do futuro –, ela dava-se a satisfação de ter o controle sobre si ao mesmo tempo em que se entregava às vontades insanas de uma mente cansada de não ter voz, ignorando qualquer necessidade fisiológica ou mesmo o avançar impiedoso das horas.

E esse ciclo vicioso recomeçava ininterruptamente, testando um limite que estava tão próximo do fim que o mais leve suspiro punha em risco a fachada de calma que escondia o tormento que era existir apenas por existir. 


- Débs
@xxisaacs_

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

II - Desbravamento.


Fechou os olhos demoradamente para poupá-los da impiedosa explosão de cores e luzes que parecia vir de todo lugar, frustrando qualquer intento por parte da lua e das estrelas de mostrar seu brilho aos ingratos incapazes de desacelerar sua constante corrida pela vida para apreciar espetáculos naturais que invento tecnológico algum seria capaz de sequer igualar.

Deveria estar acostumada a toda agitação e movimento, mas cada canto por onde passara era morbidamente único e nunca se permitiu dar a nenhum deles mais atenção que o necessário. Estava envolvida em algo que ia muito além de qualquer beleza solidificada. Algo pelo qual sua alma, em chamas, clamava. Su hogar. Um lugar, um alguém. Talvez ambos. Algo que a faria sentir-se finalmente em casa.

Nunca tivera a sensação de pertencimento. Sentia-se estrangeira em seu próprio corpo e sempre parecia pegar carona em vidas que não eram suas, em sentimentos alheios. E quando pensava finalmente achar seu ponto de equilíbrio, seus alicerces eram friamente derrubados e atirados ao chão como castelo de areia levado pelo mar.

Corria o mundo em passos errantes que pareciam levá-la a lugar nenhum, entre uma tragada no cigarro e uma parada em um pé sujo qualquer à beira da estrada.  Tivera amores e amigos, mas ninguém que ficasse em sua vida mais que um instante fugaz.

Às vezes sentia como estivesse tentando colher nuvem com as mãos, como se estivesse numa constante busca por algo que nunca conseguia alcançar. Então a frustração lhe tomava e lhe obrigava a retroceder todos os passos progredidos. E logo depois de descer tão fundo quando possível na escuridão de sua alma ferida, ela se obrigava a recomeçar todo o processo, colhendo pacientemente todos os pedaços de sonhos, esperando encontrar ali a real motivação de sua existência.


- Débs

Contato: @xxisaacs_

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Cartão Postal.


Ele jamais poderia esquecer-se de seus olhos, seus cabelos, seu sorriso. Da forma como ela falava parecendo sussurrar como um vento cálido em uma noite de verão e de como seus dedos finos acariciavam seu cabelo fazendo-o rapidamente pegar no sono.

Ela estava seguramente gravada em cada célula sua e em cada canto daquela casa com chão de madeira polida e telha vermelha, emoldurada pelo pequeno jardim que transpirava a sua essência por sua grama meticulosamente aparada e um canteiro que parecia conter uma, e apenas uma, de cada flor existente.

Era engraçado como ela parecia querer e fazer tudo na medida exata obsessivamente e não descansava enquanto assim não o fosse. E ele a amava com todas as suas pequenas manias, porque isso a tornava especial e única.

Ele ainda podia ver seus vinis do Led Zeppelin arrumados em ordem crescente de ano de lançamento e seus livros devidamente separados por autor e gênero na estante, além de sua coleção de incontáveis cartões postais de cada canto do mundo - que ele não fazia ideia de como ela havia conseguido - pregados no mural que ela o fizera construir. Ela parecia ter um carinho especial por eles, mesmo que para ele não passassem de papel usado. E quando lhe dizia isso, ela brigava e dizia que eles continham fragmentos de saudade. Que serviam para acalmar corações que sofriam pela distância e que de uma certa forma, lhe traziam algo de paz.

E ele só desejava que ela tivesse ao menos deixado isso para trás para que suavizasse o imenso buraco que ficara nele e que matasse um pouco que fosse dessa saudade que manchava seu rosto com lágrimas e comprimia seu peito de uma forma que respirar se tornava impossível.

Restava-lhe apenas arrastar-se pela vida, escapando do desespero, e esperar por um adeus tardio. Um olhar atrás. Ou mesmo um cartão postal. E que ele pudesse então, começar sua própria coleção de saudade.




- Débs

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Take me.

Estou tão cega pela dor e ao mesmo tempo tão entorpecida. Tudo é tão confuso do lado de fora.

As pessoas passam por mim, me olham. Eu não as reconheço. Você estaria entre elas? É você quem me mantém no mundo dos lúcidos?

Estou desabando, estou presa em pesadelos e não posso acordar. Será que eu quero?

Você pode me salvar? Você pode ser o meu paliativo?

As pílulas já não são suficientes para me afastar da realidade que eu não quero enfrentar. Sou fraca, sou covarde. Me ajude a enxergar de novo as coisas boas e puras. Me socorra.

Pegue em minha mão e me livre desse eu egoísta que me afunda em desânimo e autocompaixão.

Atravesso o tempo. Sobrevivo. Continuo a mesma e sou outra. Eu estou me perdendo nas batidas do relógio. Você consegue ver?

Eu posso senti-lo tão perto, mas não consigo alcançá-lo. Tão lindo e intocável. Me agarro às boas lembranças e te faço tão meu quanto jamais seria.

Estarei esperando. Um milagre, uma luz. Você.


- Débs.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

I - Desapego.


Ela não fora criada para esta vida que lhe sugava a alma em cada tiquetaquear do relógio. Responsabilidade não era algo com o que soubesse lidar. Havia sempre alguém encaminhando seus passos, mesmo que nem sempre concordasse com o rumo que eles tomavam.

Sentia-se incapaz de julgar, apesar do ser humano estar em constante julgamento. Esquivava-se sempre de tomar decisões. A escolha da maioria lhe bastava e sempre revoltava-se quando era obrigada a escolher.
Seus planos eram sempre inalcançáveis aos seus olhos e dificilmente se esforçava em levá-los adiante. A falta de fé em si a tornava pequena e invisível diante de tudo e de todos.

Não sabia demonstrar sentimentos ou sequer tê-los. Idealizava perfeição e se decepcionava com a realidade dura, que parecia sempre querer esbofeteá-la para que enxergasse as crueldades da vida e parasse de sonhar.

Escondia o sofrimento e o choro de explicações que ela certamente não saberia dar, porque não era boa com as palavras e sem mesmo sabia de onde vinha tanto dissabor. E isso pesava. Toda essa falta de porquês sufocava.

Tornou-se tão indiferente a tudo, que se admirava quando sentia uma pontada de afeto por quem fosse e a afastava com medo de não saber lidar com tal sensação.

***

- Eu sempre gostei de você.

Piscou surpresa. Estava certa de que nenhum homem lhe dirigia olhos que contivessem algo além de simpatia.

- Eu também te gosto há tempos - ela confessou e um início de sorriso assomou-se à face corada do rapaz, mas que na mesma hora perdeu-se na incerteza ao fitar a dor naqueles olhos negros - Mas eu não fui feita para o amor. Sou árvore obscura e oca. Prendê-lo a mim seria condená-lo às minhas ausências. Eu não me perdoaria.

- Eu posso preenchê-la com amor e curar as suas dores.

- Não diga bobagens! Só eu sei de minhas feridas. Só eu posso me curar. Vá e busque o amor noutro canto.

Ele não contestou e partiu.

Ela não se permitiu remoer a culpa e a dor que ameaçavam chegar de fininho. Tratou de empurrá-las para longe, como sempre fazia com qualquer coisa que pudesse afetar seu controle, entregando-se ao costumeiro vazio.




Comentários, sugestões e críticas construtivas são sempre bem-vindas!
;)
- Débs

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Introdução.

Os sentimentos humanos são ótimos objetos de estudo, tamanha a sua complexidade e seus diferentes grados de intensidade.

Constantemente nos enveredamos em suas teias bem trabalhadas e envolventes que estão sempre em conflito com a nossa razão, que briga quase inutilmente por nos manter com um pouco de senso de autopreservação.

Despedaços apresenta recortes de sobrevidas de mulheres que se perderam em si mesmas por sentir de mais ou de menos e passaram a ter angústia, medo e solidão como companheiros diários.


- Débs

O não dormir.

O dia não acaba enquanto não se dorme, portanto enquanto acordado, as horas seguintes são apenas extensões do dia corrente. Dormir significa interromper um ritual onde coragem e força são reunidas pouco a pouco e com grande esforço. Dormir resulta em ter que despertar vazio e fraco e ter que recomeçar todo o processo do dia anterior. Quanto menos se dorme menos se teme um novo amanhecer.


- Débs