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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

I - Desapego.


Ela não fora criada para esta vida que lhe sugava a alma em cada tiquetaquear do relógio. Responsabilidade não era algo com o que soubesse lidar. Havia sempre alguém encaminhando seus passos, mesmo que nem sempre concordasse com o rumo que eles tomavam.

Sentia-se incapaz de julgar, apesar do ser humano estar em constante julgamento. Esquivava-se sempre de tomar decisões. A escolha da maioria lhe bastava e sempre revoltava-se quando era obrigada a escolher.
Seus planos eram sempre inalcançáveis aos seus olhos e dificilmente se esforçava em levá-los adiante. A falta de fé em si a tornava pequena e invisível diante de tudo e de todos.

Não sabia demonstrar sentimentos ou sequer tê-los. Idealizava perfeição e se decepcionava com a realidade dura, que parecia sempre querer esbofeteá-la para que enxergasse as crueldades da vida e parasse de sonhar.

Escondia o sofrimento e o choro de explicações que ela certamente não saberia dar, porque não era boa com as palavras e sem mesmo sabia de onde vinha tanto dissabor. E isso pesava. Toda essa falta de porquês sufocava.

Tornou-se tão indiferente a tudo, que se admirava quando sentia uma pontada de afeto por quem fosse e a afastava com medo de não saber lidar com tal sensação.

***

- Eu sempre gostei de você.

Piscou surpresa. Estava certa de que nenhum homem lhe dirigia olhos que contivessem algo além de simpatia.

- Eu também te gosto há tempos - ela confessou e um início de sorriso assomou-se à face corada do rapaz, mas que na mesma hora perdeu-se na incerteza ao fitar a dor naqueles olhos negros - Mas eu não fui feita para o amor. Sou árvore obscura e oca. Prendê-lo a mim seria condená-lo às minhas ausências. Eu não me perdoaria.

- Eu posso preenchê-la com amor e curar as suas dores.

- Não diga bobagens! Só eu sei de minhas feridas. Só eu posso me curar. Vá e busque o amor noutro canto.

Ele não contestou e partiu.

Ela não se permitiu remoer a culpa e a dor que ameaçavam chegar de fininho. Tratou de empurrá-las para longe, como sempre fazia com qualquer coisa que pudesse afetar seu controle, entregando-se ao costumeiro vazio.




Comentários, sugestões e críticas construtivas são sempre bem-vindas!
;)
- Débs

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