Ela não fora criada para esta vida que lhe sugava a alma em cada
tiquetaquear do relógio. Responsabilidade não era algo com o que soubesse
lidar. Havia sempre alguém encaminhando seus passos, mesmo que nem sempre
concordasse com o rumo que eles tomavam.
Sentia-se incapaz de julgar, apesar do ser humano estar em
constante julgamento. Esquivava-se sempre de tomar decisões. A escolha da
maioria lhe bastava e sempre revoltava-se quando era obrigada a escolher.
Seus planos eram sempre inalcançáveis aos seus olhos e
dificilmente se esforçava em levá-los adiante. A falta de fé em si a tornava
pequena e invisível diante de tudo e de todos.
Não sabia demonstrar sentimentos ou sequer tê-los. Idealizava
perfeição e se decepcionava com a realidade dura, que parecia sempre querer
esbofeteá-la para que enxergasse as crueldades da vida e parasse de sonhar.
Escondia o sofrimento e o choro de explicações que ela certamente
não saberia dar, porque não era boa com as palavras e sem mesmo sabia de onde
vinha tanto dissabor. E isso pesava. Toda essa falta de porquês sufocava.
Tornou-se tão indiferente a tudo, que se admirava quando sentia
uma pontada de afeto por quem fosse e a afastava com medo de não saber lidar
com tal sensação.
***
- Eu sempre gostei de você.
Piscou surpresa. Estava certa de que nenhum homem lhe dirigia
olhos que contivessem algo além de simpatia.
- Eu também te gosto há tempos - ela confessou e um início de
sorriso assomou-se à face corada do rapaz, mas que na mesma hora perdeu-se na
incerteza ao fitar a dor naqueles olhos negros - Mas eu não fui feita para o
amor. Sou árvore obscura e oca. Prendê-lo a mim seria condená-lo às minhas
ausências. Eu não me perdoaria.
- Eu posso preenchê-la com amor e curar as suas dores.
- Não diga bobagens! Só eu sei de minhas feridas. Só eu posso me
curar. Vá e busque o amor noutro canto.
Ele não contestou e partiu.
Ela não se permitiu remoer a culpa e a dor que ameaçavam chegar de
fininho. Tratou de empurrá-las para longe, como sempre fazia com qualquer coisa
que pudesse afetar seu controle, entregando-se ao costumeiro vazio.
Comentários, sugestões e críticas construtivas são sempre bem-vindas!
;)
- Débs
Nenhum comentário:
Postar um comentário